top of page
Buscar
nivekkam

Um labirinto eletrônico

A relação entre transtornos mentais e o uso banal das redes sociais

por Kevin Kamada e Camila Araujo


 

Os dados mais atualizados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) datam de 2015 e mapeiam um cenário desafiador. Naquele ano, calcula-se que ao menos 5,8% da população brasileira já havia sido diagnosticada com depressão. No mundo, os atestados com esse mal já somavam mais de 320 milhões de pessoas, um número cerca de 18% maior que o levantamento anterior, realizado em 2005. Apelidada de “mal do século”, a depressão consiste em um transtorno mental que influencia o humor, deixando-o menos reativo às emoções. Seus impactos diretos acabam sendo a dificuldade em se alegrar, ver o lado bom das coisas e um desânimo persistente. No entanto, é na ansiedade persistente - ou crônica - que se manifesta o sinal mais importante responsável por acender um sinal de alerta.


Desde a infância, a produtora de televisão Aline Leão, 32, sempre se considerou uma pessoa ansiosa. Como a maioria das pessoas de sua geração, ela também fez parte do processo de adesão aos inúmeros serviços de redes sociais que surgiram entre o final dos anos 1990 e o início dos 2000. No Brasil, algumas marcas como Orkut™, mIRC™, MSN™ e, mais recentemente, Facebook™, Twitter™ e Instagram™ se tornaram velhas conhecidas de uma legião de jovens que passou a utilizá-las como uma forma de manter e até mesmo construir novos círculos de amizade. Alguns anos mais tarde, o fenômeno da socialização virtual em massa se expandiu também para o mercado de trabalho, com o surgimento de redes de enlaçamento profissional como o LinkedIn™.


O resultado dessa imersão, no entanto, não foi dos mais positivos para Aline. Aos 32 anos, ela foi diagnosticada com um Transtorno de Ansiedade que a deixou praticamente incapacitada. “Procurei ajuda médica quando o meu organismo passou a somatizar o que eu estava sentindo, como não conseguir comer ou levantar da cama, por estar com sensação de perigo, um frio na espinha”, explica. Com o auxílio de um psiquiatra que orientou um tratamento medicado, eles logo identificaram as redes sociais e a supressão de conteúdos negativos ou estimuladores da comparação como os principais “gatilhos” - na expressão clínica - para o seu problema de ansiedade.


Uma das medidas imediatas foi a mudança de forma de se consumir as redes sociais, sem abandoná-las, detalhe que ela mesma considera como um espaço de ócio. Para ela, um aspecto importante está em evitar o isolamento que aparentemente seria a solução de um problema como esse. “Faço uso do Instagram e do YouTube™ para relaxar e me manter informada sobre o que gosto. A saúde mental precisa ser levada a sério, pois quem está com sofrimento psíquico precisa de apoio da comunidade para conseguir superar”, conta.


Casos como o de Aline têm se multiplicado pelo mundo. Em 2017, um estudo da Royal Society for Public Health, instituição inglesa sem fins lucrativos, ouviu 1500 jovens de 14 a 24 anos no Reino Unido sobre seus hábitos de uso nas redes sociais. Em ranking que considera a preferência e a “positividade” de cada serviço, a ordem ficou: YouTube™ (mais positivo), Twitter™, Facebook™, Snapchat™ e Instagram™ (mais negativo). Não obstante, a rede especializada em fotografias e detentora do título de pior rede social para a saúde mental segundo os participantes da pesquisa, é constantemente associada a transtornos de autoimagem e até mesmo nos hábitos de sono das pessoas.


Segundo a doutora em Ciências Sociais, Jéssica Rossi, o crescente uso das redes sociais entre as pessoas reflete uma tendência da atual época mas, sobretudo, uma tendência do comportamento humano que vem desde a origem da civilização. “Desde o início das relações sociais, quando o homem passou a viver em grupamentos, ele utiliza muito as pessoas que estão ao seu redor como parâmetro para construção da sua identidade. Nós nos construímos culturalmente e socialmente como seres gregários, que vivem uns próximos aos outros. O conceito de alteridade é essa relação de que o ‘eu’ só existe em relação ao outro. A diferença é um pressuposto para a construção daquilo que nós somos ou queremos ser”, explica a professora.


Apesar de o problema adquirido a partir das redes sociais se apresentar de uma forma bastante incisiva sobre a jovem publicitária, ainda não há um consenso no meio clínico sobre a relação entre as redes sociais e o desencadeamento de doenças mentais. É o que explica o psiquiatra Daniel Barros, professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O docente explica que é comum haver correlações, mas que ainda não podem ser consideradas vínculos definitivos causadores de males psíquicos. “Na verdade pode ser o contrário: uma pessoa menos ativa, com mais dificuldade para se engajar em outras atividades passa mais tempo na rede social e aí sofre mais com o que vê justamente por estar em depressão”, comenta.



Nova função no Instagram tenta fazer controle de danos

Em março de 2019, o Instagram™ lançou a função “Podemos ajudar?”, uma notificação emitida pelo aplicativo para celular sempre que o usuário pesquisa por palavras ou tags que incluam as palavras “ansiedade” e “depressão”.



Na mão das más influências


Quando o uso das redes sociais acontece de forma desrespeitosa, em que se ridiculariza uma pessoa ou um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade, é o que se pode ser nomeado de cyberbullying. O caso mais recente de bullying nas redes sociais, que ganhou conhecimento da opinião pública, foi no dia 20 de outubro, quando o cantor “MC Gui” publicou um vídeo em sua conta no Instagram™ - com mais de 7 milhões de seguidores - em que filmava e ria de uma criança num parque de diversões no estado da Flórida, nos Estados Unidos, que por sua vez percebia que estava sendo filmada.


Além da exposição de uma criança sem o consentimento de seus responsáveis, um direito garantido pela constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a atitude vexatória revela o desrespeito por parte de pessoas que são consideradas “influencers” e a necessidade de se sensibilizar para a questão do bullying, seja esse via redes sociais ou não. Quando se trata, no entanto, de um instrumento que permite a viralização da informação ou do conteúdo de forma praticamente instantânea, o resultado pode ser ainda mais grave.



Esperança


No Brasil, o tratamento para depressão está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os casos de ocorrência. Para o tratamento da depressão leve, procure uma Unidade Básica de Saúde (UBS), o postinho mais próximo de sua casa, onde o clínico geral vai conversar com você, avaliar seu histórico e verificar seus sintomas. Caso necessário, ele te encaminhará a um especialista.


Em outros casos, quando a depressão é moderada ou grave, é necessário buscar um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades especializadas onde é possível encontrar especialistas responsáveis por traçar estratégias de saúde mental. O trabalho nesses centros é feito em conjunto com profissionais de diversas áreas, capaz de fornecer um tratamento multidisciplinar e humanizado. No CAPS, você será direcionado ao acolhimento, passando em seguida por uma entrevista que trará um diagnóstico inicial.

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Entre nós e laços

Por que buscamos conviver em grupos?

댓글


bottom of page